ENTRE O DESEJO E A ESPERANÇA
“Desejar um filho é dar forma ao futuro. Mas quando o futuro não vem como se esperava, o presente precisa ser acolhido.”
A decisão de recorrer à reprodução assistida é, para muitos, um marco na vida pessoal e relacional. Entre exames, hormônios, prazos e procedimentos técnicos, há algo mais profundo em jogo: o desejo de gerar, de cuidar, de pertencer ao fluxo da vida. E é nesse território sensível que a psicologia tem se inserido com um olhar cada vez mais atento, ético e compassivo.
Quando o Corpo Diz Não e o Coração Ainda Diz Sim
A infertilidade provoca um abalo emocional profundo. O corpo, que deveria ser fonte de criação, torna-se muitas vezes um símbolo de frustração, medo e angústia. Sentimentos como culpa, vergonha, inveja, raiva ou desesperança são comuns, mas raramente nomeados. Isso vale tanto para mulheres quanto para homens, casais heteroafetivos ou homoafetivos, com ou sem parceiros.
O sofrimento se dá em silêncio — um silêncio social e íntimo. Amigos não sabem o que dizer. Famílias pressionam sem entender. E os próprios pacientes oscilam entre esperança e cansaço, entre o “vamos tentar mais uma vez” e o “não aguento mais”.
A psicologia e a ponte entre o invisível e o dizível: nomeando emoções, legitimando dores e reconstruindo sentidos.
Psicoterapia: Um Espaço para Respirar e Refletir
Não se trata apenas de “trabalhar o emocional” para aumentar as chances de sucesso do tratamento. A psicoterapia, nesse contexto, tem múltiplos propósitos:
Elaborar o luto da fertilidade natural;
Induzir a reflexão sobre o real desejo de ser pai ou mãe (e não apenas cumprir expectativas externas);
Dar voz a medos legítimos, como não conseguir lidar com a frustração ou “não ser suficiente”;
Fortalecer vínculos afetivos no casal, quando há parceiro/a;
Preparar para diferentes desfechos possíveis, inclusive o de não ter filhos.
Além disso, para muitos, a psicoterapia oferece um tempo interno — um intervalo entre exames e protocolos — onde a pessoa pode se reconectar consigo mesma, com seu corpo e com sua história.
Profissionais em Rede: Medicina e Psicologia Juntas
As melhores clínicas de reprodução assistida hoje já contam com psicólogos especializados na equipe. Mas mais do que um protocolo obrigatório, essa presença tem se mostrado essencial para:
Humanizar os atendimentos;
Ajudar na tomada de decisões éticas e conscientes;
Identificar sofrimentos psíquicos intensos (como depressão, ansiedade, pânico);
Acolher perdas gestacionais ou falhas repetidas nos ciclos.
Quando médicos e psicólogos trabalham de forma integrada, os pacientes se sentem menos sozinhos. Sabem que não são apenas corpos em tratamento, mas pessoas inteiras — com histórias, dúvidas, esperanças e feridas.
Novos Cenários, Novos Desafios
As configurações familiares têm mudado. Hoje, enfrentam o desafio da reprodução assistida não apenas casais heterossexuais com dificuldades reprodutivas, mas também:
Mulheres que optam por maternidade solo;
Casais homoafetivos que desejam ter filhos biológicos;
Pessoas trans que buscam preservar sua fertilidade antes de uma transição de gênero;
Casais de “mais idade” tentando sua última chance de gestação;
Jovens oncológicos que congelam óvulos ou espermatozoides antes de quimioterapia.
Esses contextos exigem delicadeza e atualização contínua dos profissionais. É preciso ouvir sem preconceito, informar com clareza e cuidar com empatia.
Entre a Técnica e o Sentido
A reprodução assistida avança em precisão e inovação. Mas, ao lado da técnica, cresce a necessidade de se olhar para o impacto subjetivo desse caminho.
Para alguns, gerar um filho será possível. Para outros, o caminho poderá ser outro: a adoção, a decisão de não ter filhos, ou a reinvenção do projeto de vida. Em qualquer desfecho, o que importa é que a pessoa tenha sido respeitada em sua trajetória, tenha tido espaço para sentir, pensar, desistir, retomar ou escolher com liberdade.
A psicologia, quando bem praticada, não promete milagres. Mas oferece algo precioso: presença e escuta. E, muitas vezes, é isso que sustenta a travessia.
https://www.blogdopsicologo.com.br/2025/02/a-fertilizacao-in-vitro-fiv-e-um-dos.html
Psicólogo Paulo Cesar T. Ribeiro
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